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Food for Soul – A gastronomia além do prato

Por Julia Xavier

Em 2022, cerca de 1,05 bilhão de toneladas de alimentos foram desperdiçados no mundo. De acordo com Food Waste Index Report 2024, isso representa quase um quinto de todos os alimentos disponíveis para consumo - aproximadamente 132 quilos por pessoa por ano. Do total, 28% teve origem no setor de serviços de alimentação, incluindo restaurantes, lanchonetes e empresas de catering. Só esse segmento gerou 290 milhões de toneladas de resíduos (ONU,2024).

O food service figura como o segundo maior responsável pelo descarte de alimentos no planeta, atrás apenas do desperdício doméstico, que responde por 60% do total global. No entanto, a escassez de dados padronizados fora de países desenvolvidos compromete a precisão dessas estimativas, principalmente em regiões de baixa e média renda. Essa ausência de informação pode mascarar perdas ainda mais alarmantes do que as registradas oficialmente (ONU,2024).

As causas mais comuns configuradas no food service são amplamente conhecidas: preparo em excesso, descarte de ingredientes por estarem “fora do padrão estético”, falhas de armazenamento, má gestão de estoque e equipes pouco treinadas. Essas práticas contribuem para que grandes quantidades de alimentos próprios para consumo sejam descartadas diariamente antes mesmo de chegar aos pratos (Food Connection, 2024).

Diante desse cenário, surgem iniciativas que fomentam novas formas de enfrentar o desperdício alimentar. Uma das mais relevantes é o Food for Soul, organização fundada em 2016 pelo chef italiano Massimo Bottura e por Lara Gilmore. A proposta: resgatar alimentos excedentes, ainda próprios para consumo, e transformá-los em refeições que nutrem o corpo e a alma, servidas em ambientes que integram hospitalidade, arte e design, são os chamados Refettorios (Food for Soul - O Projeto).

O primeiro deles foi inaugurado durante a Expo 2015, em Milão. No Refettorio Ambrosiano, chefs como Yannick Alléno, Alex Atala e Alain Ducasse uniram-se ao chef Bottura e a David Rampello para criar menus com entrada, prato principal e sobremesa, utilizando ingredientes resgatados do desperdício. A experiência foi registrada no livro Bread is Gold (Food for Soul - A História).


fotos Food for Soul.


O sucesso da iniciativa impulsionou sua expansão internacional. Durante os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, foi criado o Refettorio Gastromotiva, fruto de uma colaboração entre Massimo Bottura, o chef Brasileiro David Hertz e a jornalista Alexandra Forbes. O projeto tinha como propósito transformar os excedentes da Vila Olímpica - alimentos próprios para consumo, mas não utilizados - em refeições nutritivas para pessoas em situação de vulnerabilidade social (Gastromotiva - Atuação).

Hoje, o refeitório é mantido por uma rede de chefs voluntários e funciona como restaurante social: aberto ao público no almoço, e dedicado, à noite, a servir refeições gratuitas para seus beneficiários (Refettorio Gastromotiva).

Apesar dos avanços, iniciativas como o Food for Soul enfrentam desafios consideráveis: a dependência de ingredientes imprevisíveis, a necessidade de parcerias locais sólidas e confiáveis, barreiras legais no acesso à excedentes alimentares e resistências culturais à valorização de alimentos “imperfeitos”. Esses obstáculos exigem uma combinação de criatividade, adaptação e colaboração contínua para garantir a sustentabilidade e replicabilidade dos projetos (Medium).

Ainda assim, o impacto é expressivo. Desde sua criação, o Food for Soul já resgatou 2.471 toneladas de alimentos, serviu 3,97 milhões de refeições a 1,59 milhão de pessoas e mobilizou mais de 170 mil voluntários, entre chefs e aprendizes, ao redor do mundo. Hoje, são doze Refettorios em operação, espalhados por nove países (Food for Soul - Nosso Impacto).

O Food for Soul revela como a gastronomia pode enfrentar desafios globais e atuar como ferramenta de transformação social. Ao reunir chefs renomados e comunidades em torno de ingredientes rejeitados, a iniciativa questiona padrões da indústria, transforma mentalidades e demonstra que o que  costuma ser descartado tem o poder de alimentar - o corpo, a alma e a sociedade.

 
 
 

1 commento


Juliane
há 5 dias

Tópico de suma importância!! Wel Done! 👏👏👏👏👏👏

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