Por Gabriel Aguilar
Análise das raízes do paladar
As questões que envolvem a individualidade de opiniões, pensamentos, gostos, pontos de vista é umas das condições da evolução (ou não) da raça humana. Se todos nós pensássemos da mesma forma, provavelmente o mundo como nós conhecemos não seria o mesmo. Difícil saber se seria melhor ou pior.
Fato é, que essa diversidade nos fez avançar em vários momentos da história, trazendo questionamentos positivos, que trouxeram evolução para o mundo e o pensamento moderno. Assim como, também algumas vezes esses questionamentos nos fizeram regredir em várias outras circunstâncias.
Uma opinião é, e sempre deve ser, individual, mas essa mesma individualidade é condicionada por uma série de outros fatores externos que influenciam em nossa percepção de mundo (e de gosto).
Um grande fator é a ciência, ela é uma das principais inoculadores de novas ideias e novas opiniões. O embasamento técnico serve como parâmetro nesse contexto. Melhor dizendo, quem dita as regras do jogo é ela. A fisiologia é a ciência que estuda o funcionamento dos organismos, contemplando e estudando funções moleculares, mecânicas e físicas.
Nesse mundo de ciências e opiniões, um livro chamado: "A fisiologia do gosto" (1825), escrito por Jean Anthelme Brillat-Savarin, um advogado, político e cozinheiro francês, foi um marco na história da gastronomia.
Antes de ler, saiba que não é obra para quem quer matar a fome, literal ou de saber, mas para quem se delicia com petiscos fugazes, sente um prazer quase espiritual ao folhear as páginas amareladas de um velho caderno de receitas manuscritas e é capaz de evocar o clima de uma época em que se preparava uma perna de tela com três pombos velhos e vinte e cinco lagostins.
Este livro é, enfim, para aqueles que acreditam que "o prazer da mesa pertence a todas as épocas, todas as condições, todos países e todos os dias".
A partir da obra de Jean, criaram-se novas regras para esse jogo da alimentação, implementando novas percepções do gosto como um todo. Desde análises organolépticas dos alimentos, como o conceito do gosto propriamente dito.
E por fim chegamos a ele, o gosto. Que momento! No que diz respeito a gastronomia, e ao que todo cozinheiro busca, é o divisor de águas. O gosto das coisas, tecnicamente falando, analisa todas as reações físico químicas do nosso paladar. O salgado, doce, amargo, azedo, umami são as cinco bases para a construção do sabor e cada um desempenha um papel singular.
O gosto está ligado à questões sensoriais muito técnicas e objetivas. Mas sozinho não pode ser considerado como dono de toda razão.
O gosto por si só, não leva em conta questões afetivas, culturais, de criação, de hábitos que também condicionam a sua percepção. Em uma análise da cultura ocidental, quase ninguém que conhe-cemos gostou de comer peixe cru sem nunca ter comido antes, mas com o passar do tempo e conforme foi enten-do as texturas, aromas e sabo-res, passou a amar e até idolatrar esse sabor.
Então se por análise técnica de características somente sensoriais, definirmos que um peixe cru bem tratado e fresco é gostoso, todos deveriam gostar. Mas não é o que acontece. O grande xis da questão é a influência de cada um deles, gosto e conhecimento técnico na avaliação do que é gostoso e do que não é.
E o gostosos é definido como gostoso só por conta de critérios técnicos? Logicamente, isso está, num primeiro momento ligado a características técnicas e equilíbrio entre os gostos e sabores de um prato, mas e no segundo momento da análise de sabor, quais são os parâmetros?
Se o equilíbrio, de uma maneira geral, é agradável aos olhos e a mente humana, no que se refere à parte visual de um prato, um empratado bonito já é meio caminho andado na construção do gosto.
As texturas bem executadas, molhos, crocâncias, pontos corretos dos alimentos, temperaturas também complementam esse cenário. O equilíbrio técnico se dá também em relação à proporções e aos sabores antagônicos, como gordura versus acidez, sal versus dulçor e etc, são fatores condicionantes do sabor.
Uma receita tecnicamente bem executado nos dá a direção pra percepção do gostoso, mas no final das contas ela é só tecnicamente bem executada.
"O que um dia foi considerado bom, talvez num outro já não seja mais."
O gosto, lá no fim, ainda é um pouco ‘pessoal’ ou melhor, depende de nossas referências e costumes. Por mais que alguns parâmetros técnicos guiem essa condição, é uma questão MUITO pessoal de vivência. É uma questão intrínseca e individual!
Nós mesmos, nas nossas individualidades, não somos e não pensamos igual. Chega a ser até de caráter de soberba, levar em conta só uma única condição, que não leva em conta a percepção individual de outras pessoas sobre o gosto.
Em vários momentos da alimentação, as “regras” do jogo mudaram e sempre vão surgir novas “regras”, no que diz respeito a forma que co-míamos, que comemos e que vamos comer. É uma constante evolução.
Portanto, não há uma verdade única quando falamos sobre o gosto. O que de fato existe, são características técnicas que refletem a construção do sabor. Mas ainda sim, nem todo mundo vai gostar do que é tecnicamente dito como gostoso.
No final das contas, sempre cabe essa análise técnica para desmembrar o "gosto" de uma preparação, o que é de extrema importância. Mas o que não pode haver é uma privação, ou até mesmo um menosprezo do sentimento e opinião de um indivíduo que discorde com o que é “gostoso tecnicamente falando".
Dessa forma, o prazer da mesa pertencerá a todas as épocas, todas as condições, todos países e todos os dias! O que fica de análise é que gosto é gosto e ponto.
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