Por Janete Borges
A charcutaria do mar, apesar de parecer uma nomenclatura contemporânea, existe desde que a pesca existe.
O termo charcutaria vem do francês: chair (carne) + cuit (cozido).
A charcutaria do mar, apesar de parecer uma nomenclatura contemporânea, existe desde que a pesca existe. Para mim essa arte aconteceu de forma natural na ânsia de ter sabores mais originais e menos industrializados, que foi despertada no dia que chegou à minha cozinha um cardápio onde o salmão defumado era a estrela.
Ao invés dos produtos carregados de fumaça liquida e outros artifícios nada naturais, o salmão fresco acabou pendurado nas chaminés da churrasqueira, lugar já ocupado por tainhas na época da pesca e, ali, surgiu ali uma paixão pelo que hoje entendo ser a charcutaria do mar!
Citei as tainhas pois, por trabalhar em um hotel beira-mar onde a pesca artesanal é presente, no auge do inverno estas tainhas nos chegavam vivas com suas ovas, muitas ovas, brilhantes e frescas.
Por que não as secar para tê-las nos cardápios durante todo o ano???
Esta técnica já tinha sido apresentada a mim em uma das idas a São Paulo por três mestres que hoje carregam uma constelação de estrelas Michelin: Brasil, Itália e Espanha trabalhando essas ovas, concentrado sabor e técnica.
No Japão, o karasumi, o boraki shikara e o katsobushi ganham vida com a charcutaria que conheci com um grande chef oriental que dizia: “Se não tem, vamos fazer!” E assim foi feito, e é assim até hoje, sempre aprimorando técnicas e processos.
A curiosidade me levou a conhecer o Laboratório de Camarões Marinhos onde três pesquisadores, Felipe Viera, Leila Hayashi e Claudia Machado, especialistas em micro e macroalgas, peixes e ovócitos trabalhando em um laboratório a quinze minutos de casa.
Veio com eles a possibilidade de trabalhar com esses insumos, no caso o camarão e a tainha, vivos e colhidos ali, à frente de meus olhos e ao alcance das minhas mãos e da minha ânsia de aprender... nada mal!
Entre muitos testes, alguns acertos e muitos erros, entendi a delicadeza dos processos que me levaram a produtos como camarões defumados, camarões salgados secos e o meu “queridinho”: o katsuobuschi de camarão, técnica apresentada por um chef japonês.
Originalmente o katsobuschi é uma conserva seca de atum-bonito, que depois de pronto, é usado em lascas em caldos e finalização de pratos.
E assim traçava uma linha do sutil, mas definitiva na minha cozinha, rompendo com o uso de produtos industrializados, agressivo em várias escalas, e apresentando infinitas possibilidades com uso do produto natural e levemente defumado em pratos ricos de saborizações e aromatizações, e assim, a certeza mais do que óbvia que tudo tem o tempo certo de cura e manipulação de cada ingrediente.
Dentro desse universo, surgem as macroalgas, com experiências incríveis como o sal de Kappaphicus extraído com maestria pela Maria Garcia, que pode ser usado na cura tanto nas tainhas como nos camarões: esse sal que desmancha feito gelatina com umami natural, e me tem levado a excelentes resultados.
A charcutaria é uma técnica ancestral, e a fumaça é algo que faz parte do DNA de qualquer ser humano, e posso dizer, bem confiante, que é uma das razões da gente gostar tanto de bacon, que aliás...
Já pensou um bacon do mar?
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