Do sol à mesa: avanço na tecnologia dos fornos solares
- RAÍZES do Solo a Mesa
- 28 de ago.
- 4 min de leitura
Por Julia Xavier
À primeira vista, parece improvável: assar bolos, grelhar vegetais ou cozinhar sem eletricidade, gás ou fogo. Mas os fornos solares — que usam refletores para concentrar a luz do sol e transformá-la em calor — têm ganhado espaço como alternativa prática, econômica e com baixo impacto ambiental, especialmente em regiões de alta incidência solar.
Na Europa, a França traz um exemplo interessante. O carpinteiro Thierry desenvolveu um forno solar portátil que se destaca pela capacidade de funcionar mesmo em dias parcialmente nublados. O equipamento utiliza espelhos e vidros com efeito de lente para concentrar a luz solar e gerar calor, atingindo temperaturas em torno de 160 °C, dependendo das condições do dia. Com ele, é possível assar vegetais, bolos e pratos como lasanhas e ratatouilles, sem o uso de eletricidade ou combustíveis. A estrutura tem sido aplicada em contextos variados, como feiras, oficinas e por pequenos produtores. A oficina de Thierry, L’Atelier Solaire, também fabrica desidratadores solares que utilizam o mesmo princípio dos fornos.(L’atelier Solaire).

Outro exemplo europeu vem do Sun Chef Pro, desenvolvido pela empresa Solar Brother. Voltado a chefs profissionais, o equipamento funciona exclusivamente com a luz solar, utilizando a tecnologia de tubo a ar — um sistema que concentra e retém o calor da radiação solar, permitindo atingir altas temperaturas rapidamente, como em um forno tradicional. Com capacidade de até 37 litros, o modelo foi projetado para atender eventos e preparações para até 50 pessoas, reforçando o potencial da energia solar em operações gastronômicas de maior escala (Solar Brother). A chef Nadia Sammut, do restaurante estrelado Auberge La Fenière, testou o forno em pratos como peixes, vegetais e brioches, destacando o sabor surpreendente e a harmonia cheia de nuances que o forno solar proporcionou aos preparos. (Solar Brother, 2024).

O calor lento e constante desse tipo de forno preserva nutrientes e intensifica sabores (Today 's Homeowner' s, 2024) . Sem chamas diretas ou variações bruscas de temperatura, a cocção solar ajuda a manter a textura e a umidade dos alimentos — qualidades essenciais para preparos delicados.
Na América Latina, o uso de fornos solares também começa a ganhar visibilidade em projetos ligados à gastronomia. No Chile, o restaurante Entre Cordillera Restobar Solar, fundado em 2018 no deserto do Atacama, utiliza exclusivamente a luz do sol como fonte de calor para preparar suas refeições. Segundo a proprietária, Ogalde, a abundância de dias ensolarados na região permite operar sem gás, eletricidade ou lenha — uma adaptação climática que impulsionou a criação de uma cozinha inteiramente movida a energia solar (BBC Travel, 2021). A organização Solar Cookers International registra a presença da tecnologia em mais de 130 países, incluindo projetos em países latino-americanos voltados à educação, à saúde e à alimentação comunitária (Solar Cookers International, 2025).

No Brasil, o uso de tecnologias solares para cozinhar ainda é pontual, mas começa a chamar atenção em projetos educacionais e comunitários. No sertão nordestino, a Associação Caatinga distribuiu fornos solares a famílias do Ceará e do Piauí, promovendo capacitações sobre seu uso no cotidiano (No Clima da Caatinga). Já na Bahia, estudantes do ensino médio desenvolveram um fogão solar — baseado em princípios semelhantes de concentração da luz — como alternativa limpa e acessível para o preparo de alimentos (BBC News Brasil) .
Apesar das vantagens — como a redução do consumo energético e a emissão zero de poluentes (Today 's Homeowner' s, 2024) —, os fornos solares enfrentam limitações técnicas. A principal delas é a dependência do clima: em dias nublados ou chuvosos, a cocção pode ser comprometida, e a impossibilidade de operar à noite exige organização prévia. Também é necessário ajustar a posição do equipamento ao longo do dia para garantir a captação ideal da luz solar, o que demanda atenção constante durante o preparo. Além disso, por operarem com temperaturas mais baixas, os fornos solares geralmente exigem mais tempo de cozimento do que os convencionais — o que pode limitar seu uso em rotinas mais dinâmicas e ambientes com pouco espaço ao ar livre (Solar Power Essentials, 2024).
Mesmo assim, o setor mostra potencial de crescimento. De acordo com a consultoria Fortune Business Insights, o mercado global de fornos solares deve se expandir de forma significativa nos próximos anos, impulsionado pelo aumento dos custos de energia e pela crescente demanda por soluções sustentáveis e de baixo impacto ambiental (Fortune Business Insights, 2025). Um estudo recente publicado na revista Solar Energy destaca que avanços no isolamento térmico e na geometria dos refletores têm tornado os modelos atuais mais eficientes e versáteis em comparação com os desenvolvidos há uma década (ScienceDirect, 2024).
No food service, os fornos solares ainda não substituem os equipamentos tradicionais, mas têm se consolidado como uma alternativa complementar, especialmente em preparos que demandam calor constante e tempo. A experiência de chefs que testam essas tecnologias mostra que a cocção solar está evoluindo, abrindo novas possibilidades para a gastronomia do futuro.