O amargo da conta: O que explica o aumento do preço do café no Brasil
- RAÍZES do Solo a Mesa
- 28 de ago.
- 6 min de leitura
Por Alessandra Postali

O café sempre foi sinônimo de acolhimento na vida do brasileiro, mas a xícara tem vindo mais amarga, não pelo sabor, mas pelo preço que só vem aumentando. Por conta disso, olhar para as gôndolas do supermercado ou pedir um coado na cafeteria preferida deixou de ser tão agradável.
De acordo com o boletim da ABIC (Associação Brasileira da Indústria do Café), divulgado em fevereiro de 2025:
o custo da matéria-prima (café verde) subiu 224% nos últimos quatro anos;
o preço final no varejo aumentou 110%;
só em 2024, o café ficou 37,4% mais caro para o consumidor final, puxado pela escassez de oferta e conservação dos estoques.
E não há indícios de que esse aumento vá desacelerar tão cedo. O que está por trás dessa escalada de preços? Para responder a essa pergunta, é preciso olhar além da prateleira.
Por que o café está mais caro?
Como toda cadeia agrícola, o mercado do café é altamente influenciado por fatores naturais, econômicos e políticos. O primeiro elo dessa corrente está no campo - onde os efeitos se traduzem em perdas reais e maiores custos.
Regiões como Sul de Minas e Matas de Minas registraram quebras de safra entre 20% e 30% em 2024, o que reduziu a disponibilidade da matéria-prima e aumentou os preços (Syngenta).
O impacto climático tem sido gigante: chuvas irregulares, altas temperaturas e seca prolongada preocupam os produtores. Em regiões como Alta Mogiana e Triângulo Mineiro, alguns enfrentaram mais de 200 dias sem chuva e temperaturas até 15% acima da média, o que causou estresse hídrico, perda de folhas e morte da semente dentro do fruto.
Além das perdas no campo, outros fatores ajudam a explicar o preço na xícara:
Quebras de safra significativas.
Redução da oferta interna: mesmo com recordes de exportação, a safra de 2025 foi estimada com queda superior a 4%.
Custo elevado de produção: insumos, frete e mão de obra seguem caros — segundo a UOL, são fatores que mantêm os preços pressionados.
Demanda doméstica recuando: o consumo interno caiu 15,96% no 1º quadrimestre de 2025, conforme a ABIC, com migração para cafés instantâneos e blends econômicos.
Inflação acumulada: até maio de 2025, o café torrado e moído teve uma inflação de 82,24%, segundo o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo).
Avanço em mercados internacionais.
Somados, esses elementos formam um cenário de pressão contínua. E a conta não fecha para ninguém.
A alta do café atinge todos os elos da cadeia — da lavoura à xícara. Cada segmento enfrenta seus próprios desafios, mas todos estão conectados por um mesmo cenário de incerteza e pressão.
Produtores rurais:
Sentem o impacto direto das mudanças climáticas e lidam com custos crescentes de manejo, mão de obra, insumos, secagem e energia. O custo de produção também varia conforme o tipo de processamento: sistemas mais simples, com secagem no terreiro, têm exigência menor, enquanto lotes beneficiados com maior controle demandam mais investimento. Mesmo com o café sendo vendido a preços mais altos, nem sempre a margem cobre os gastos — por isso, muitos produtores recorrem às cooperativas, que podem oferecer suporte em comercialização e logística. Mas nem sempre a relação é vantajosa: em alguns casos, os preços pagos são baixos e as regras pouco transparentes, o que deixa o produtor com ainda menos controle sobre o valor do seu próprio café.
Torrefações:
Costumam operar com margens enxutas. Um aumento de 20% no custo do café pode significar uma reestruturação completa na precificação dos produtos. Quando a margem não acompanha os custos, algumas torrefações optam por diluir blends, importar matéria-prima ou até deixar de comprar cafés especiais, afetando toda a dinâmica de qualidade.
Cafeterias:
O desafio é manter a rentabilidade sem perder clientela. O aumento no valor pago à torrefação pressiona os cardápios: há quem enxugue a oferta, reformule receitas ou adote cafés mais baratos para manter os preços competitivos. Outras preferem ajustar os valores cobrados por cada bebida — o que pode afastar uma parcela do público. Ainda assim, as cafeterias são um elo poderoso da cadeia: ajudam a educar o consumidor, dar visibilidade a pequenos produtores e consolidar a cultura do café de qualidade. Mas nem todas operam da mesma forma — e algumas usam o cenário para ampliar suas margens de contribuição.
Tempos difíceis para o coffee lover
Um bom café vendido pelas torrefações teve um aumento de cerca de R$ 50 por quilo. Mas esse cenário serviu não apenas para justificar o repasse ao consumidor — em muitos casos, foi também uma oportunidade de ampliar a margem de lucro.
Quem antes pagava em torno de R$ 7 por um espresso, seja single ou double shot, passou a desembolsar entre R$ 9 e R$ 10. O custo para a cafeteria aumentou cerca de R$ 0,50 por dose, mas o reajuste ao cliente foi de até R$ 2. E, no caso do single shot, ainda paga-se mais por menos café e menor qualidade sensorial.
Para se ter uma ideia, uma xícara de cappuccino — que custa em média R$ 2,50 para ser preparada, somando leite, café e demais insumos — é vendida por R$ 12 a R$ 15. Nesse contexto, o aumento do valor final vai muito além do impacto da matéria-prima.
Baristas:
Enfrentam instabilidade profissional, baixa remuneração e dificuldade de inserção formal. Além disso, são os responsáveis por garantir a entrega sensorial do café — mesmo quando trabalham com grãos de menor qualidade ou com perfis alterados por blends mais baratos. Quando o consumidor cobra por um bom café, a pressão recai sobre quem está na ponta do atendimento.
Consumidores:
Sentem no bolso o efeito acumulado. Muitos migraram para o café solúvel ou matchá, que têm rendimento maior por real. O consumo interno caiu 15,96% no primeiro quadrimestre de 2025 (ABIC), evidenciando uma mudança de comportamento forçada pelo preço.
Neste contexto, também temos as grandes redes, que já bem posicionadas no mercado não costumam sentir tantos os efeitos como os outros elos da cadeia. Elas detém maior poder de negociação e volume de compras, conseguem diluir custos e manter margens mais elevadas.
Essa é uma rede complexa. O que acontece na lavoura impacta a torrefação, que influencia o preço final nas cafeterias e molda o comportamento de consumo. E vice-versa. Os desafios não são isolados — eles se somam, reverberam e retornam à origem.
No meio disso tudo, uma sensação une campo e cidade: incerteza. A expectativa de que os preços subam leva produtores a segurarem estoques — o que, por ironia, contribui para a queda nos preços futuros. E quando os preços despencam, o café já foi vendido. Um ciclo que se repete, ano após ano.
Oferta x Demanda
Para entender esse ciclo, vale acompanhar vozes que atuam diretamente no setor. Uma delas é Hugo Rocco, fundador da Moka Clube e coffee hunter. Em seu perfil no Instagram, ele compartilha análises e opiniões sobre o mercado e os desafios de quem vive do café.
Em uma de suas postagens, Rocco escreveu:
“No campo: produtor segurando o café achando que vai valorizar. Na cidade: torrefação contando centavo, rezando pra sobreviver mais um mês. E no meio dessa queda de braço, a velha senhora chamada ‘oferta e demanda’, tomando seu café e rindo da nossa cara.”
Um retrato direto de um mercado em desequilíbrio — onde, na grande maioria, quem sai ganhando são os grandes.
Tarifa de 50% dos EUA: um novo fator de pressão
Em março de 2025, o governo Trump restabeleceu uma tarifa de 50% sobre produtos brasileiros, como parte de uma nova política comercial. Entre os itens afetados está o café verde.
O Brasil pode perder espaço no principal mercado premium do mundo e as torrefações dos EUA devem buscar novos fornecedores, o que pressiona ainda mais o produtor brasileiro. Além disso, parte dos lotes antes exportados pode ficar no país, mas isso não alivia o custo final — que continua pressionado por insumos caros e desafios logísticos (Revista Espresso).
Na ponta da cadeia, o impacto segue visível: a xícara custa mais e entrega, além de aroma, os reflexos de um sistema em desequilíbrio.
2026 no horizonte
Até o momento, não há sinal de recuperação total da safra brasileira em 2026. Especialistas da OIC (Organização Internacional do Café) apontam que, mesmo com boas floradas nos meses de setembro e outubro, a melhora seria parcial — já que os custos estruturais devem continuar elevados.
A projeção da Rabobank, divulgada pela Reuters, indica que a produção brasileira de café na temporada 2025/2026 deve cair cerca de 6,4%, chegando a 62,8 milhões de sacas. A queda na produção de arábica (estimada em 13,6%) deve ser parcialmente compensada por um aumento de 7,3% no robusta.
Falar sobre o preço do café é falar sobre história, economia, cultura, trabalho - mas, sobretudo, sobre pessoas. É olhar para quem planta, quem torra, quem serve e quem consome — e perceber que todos fazem parte de uma mesma cadeia, impactada de formas diferentes, mas igualmente pressionada.
Para muitos produtores, a qualidade deixou de ser diferencial e passou a ser sobrevivência. Além disso, abraçar sua identidade, processos próprios e origem se torna essencial. Como resume Hugo Rocco:
“Construa o que ninguém consegue copiar: o valor da sua origem, o suor da sua família, a singularidade do seu terroir. Faça isso e o que sobrar, aquele lote sem holofote, vai sair no preço da bolsa e tudo bem.”
A boa notícia é que há caminhos. Educação, informação e transparência têm poder de transformação. Valorizar quem faz com cuidado, e reconhecer o valor que existe muito antes do primeiro gole — talvez esse seja o primeiro passo para um sistema mais justo.
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