O que existe por trás da sua xícara de café?
- congressoraizes
- 30 de mai.
- 5 min de leitura
Por Alessandra Postali
O brasileiro consome, em média, 1.430 xícaras de café por ano, segundo pesquisa da ABIC — Associação Brasileira da Indústria de Café. Ou seja, faz parte da nossa vida, da nossa rotina, da nossa cultura e das nossas memórias.
Mas você já se perguntou quanta história existe por trás da sua xícara? Entre um gole e outro, te convidamos a mergulhar no universo desse grão — para fortalecer cada etapa e cada pessoa envolvida nessa cadeia tão especial.
O café é uma fruta, cheia de complexidade, que tem mais de mil compostos químicos — aromáticos, ácidos, açúcares, álcoois, fenois, alcaloides como a cafeína, e muito mais. Essa riqueza vem de variáveis que envolvem desde o tipo de grão, seu manejo, processamento, assim como a torra e até o modo como extraímos a bebida. Para comparação, o vinho — que também é símbolo de complexidade — tem entre 500 e 600 compostos.
Mais do que isso, antes de chegar na xícara, o preparo do seu café envolve muitas mãos. Desde quem plantou, irrigou, cuidou e colheu, até quem lavou, secou, beneficiou, embalou, transportou, torrou, preparou e serviu. Essa é uma cadeia viva, complexa e muito especial — e merece ser reconhecida.
Esse artigo é um relato pessoal- fruto de dias vividos onde tudo começa: no campo.
No coração da produção: pessoas e processos
Eu presenciei parte desse processo quando me inscrevi para um estágio em uma das fazendas de café especial mais renomadas da América Latina, em Ibiraci (Minas Gerais). Tive o privilégio de trabalhar por 20 dias ao lado de pessoas que passam a vida toda para cuidar desse grãozinho.
Sempre fui apaixonada por café, mas conhecia muito pouco. Essa foi a oportunidade de me conectar e me aprofundar nesse alimento complexo e delicado. Ali, me vi colhendo e comendo o fruto direto do pé. Senti o cheiro da flor - que é como jasmim. E passei meu café no fim de tarde, ao topo do Morro Arto, com plantações se alastrando por todo o horizonte.
Junto dos meus colegas de estágio - cada um de um canto do Brasil - calejei as mãos rastelando nos terreiros de seca, passei noites na usina cuidando dos processos de fermentação e também saí correndo no meio da noite para proteger os grãos da chuva que estava chegando. Mas, por mais que pareça clichê, nenhum esforço parecia demais. A cada dia vivíamos uma nova experiência e aprendíamos algo novo e é isso que vou dividir com você, leitor.
Lavando e escolhendo o melhor do grão
Cada fazenda tem suas particularidades, mas a base do cuidado com o café costuma seguir princípios parecidos. Ali em Ibiraci, logo após a colheita, os grãos eram levados a uma estação bem moderna de lavagem e seleção.
A máquina separava os grãos por densidade. Os frutos eram separados assim:
Cereja: Frutos maduros que costumam ser mais valorizados.
Verde: Ainda não amadureceram totalmente. São mais duros, menos doces e, se não forem separados, podem comprometer o sabor da bebida final.
Boia (ou bóia): Frutos secos ainda com casca que flutuam na água. Em geral, são menos densos e de qualidade inferior.
Passa: Frutos maduros que secaram naturalmente no pé. Podem ter doçura intensa, mas precisam de cuidado, pois podem fermentar demais.
Qualquer grão defeituoso era identificado e removido do fluxo por uma ejeção de ar comprimido. Ou seja, tudo muito preciso.
Fermentação: o segredo para sabores únicos
Depois da seleção, os grãos podem seguir por diferentes caminhos — um deles é o da fermentação. Quando bem conduzida, ela potencializa os aromas e revela perfis sensoriais únicos.
Na fazenda, conheci diferentes técnicas como os tanques rotativos de inox, bombonas de 200 litros, fermentadores verticais e mais. Além disso, o tempo de fermentação também variava bastante, entre horas e dias, dependendo da técnica e do objetivo do produtor.
Secagem: atenção e controle em cada detalhe
A secagem é uma das etapas mais delicadas do pós-colheita, especialmente pensando em cafés especiais. Aqui, o objetivo é reduzir a umidade do grão de forma lenta e controlada, até que ele atinja cerca de 11 a 12%. Isso ajuda a preservar os açúcares, o equilíbrio e os aromas do café.
Entre os métodos mais comuns de seca do café estão os terreiro de cimento, onde o grão é espalhado no chão e revolvido várias vezes ao dia, e o terreiro suspenso, uma estrutura elevada que permite ventilação e uma secagem mais lenta e uniforme. Essa fazenda possui a maior área de terreiros suspensos do mundo e passávamos boa parte dos nossos dias cuidando deles.
Toda manhã, a primeira coisa que fazíamos era tirar as lonas dos cafés que tinham passado a noite cobertos, protegidos do sereno. Seguíamos para o quadro branco, que indicava a localização e a umidade de todos os lotes espalhados pelos terreiros. E, então, recebíamos as instruções do dia: quais lotes rastelar, quais cobrir com sombrite, medir a umidade, amontoar no canto para descansar e quais estavam prontos para serem recolhidos.
Beneficiamento: preparando o café para sua xícara
Depois que os grãos atingiam a umidade ideal, seguiam para os galpões de beneficiamento — onde eram limpos e preparados para se tornarem café verde. Ali, eles passavam por máquinas que faziam a classificação por tamanho e densidade, usando peneiras calibradas. Então, vinha a triagem, que removia os grãos defeituosos. Tudo isso para garantir mais uniformidade na torra e, ao final, uma bebida mais equilibrada e limpa.
Com os lotes já limpos e selecionados, eles eram armazenados temporariamente em bags ou tulhas, onde descansavam antes de seguir para a próxima etapa: a torra.
Durante o estágio, acompanhamos as torras de amostras - pequenas quantidades de café de cada lote eram torradas para avaliar o seu perfil sensorial. Uma das experiências mais marcantes foi poder torrar o nosso próprio café no torrador de amostras para entender como ele funcionava e poder etiquetar cada pacotinho com os nossos nomes.
Quando o café deixa de ser só bebida e vira aprendizado
Sei que nem todos terão a chance de estagiar em uma fazenda de café e não conto essa história para dizer que é imprescindível — mas com o intuito de mostrar o quanto o mundo do café - e o próprio alimento - é complexo e delicado. É um lembrete de que, do momento em que pegamos a xícara até levá-la à boca, carregamos muita história, pessoas e propósito.
Esse é um convite para que você se permita conhecer mais sobre o café e crie novas memórias afetivas com ele. Quando nos damos conta, estamos mergulhados em um universo totalmente novo. A verdade é que o café me levou a eventos que eu nem sabia que existiam, me apresentou a profissões, métodos de preparo, colheita, competições... Mas, mais do que isso, me conectou com pessoas.
O café tem esse poder: de aproximar, criar laços e de aquecer o coração.
Termino esse texto com uma frase que meus mentores sempre repetem, e que hoje faz ainda mais sentido para mim: “Café não é só café.”
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