Olivicultura Catarinense: o Azeite que Nasce da Serra - Fresco, Preciso, Nosso
- RAÍZES do Solo a Mesa
- 28 de ago.
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Por Julia Xavier

Em um mundo em que os grandes centros de azeite de oliva disputam prêmios e paladares — de Jaén, na Espanha, aos vales da Toscana — poucos imaginariam que um território cercado por montanhas úmidas e neblina no Sul do Brasil começaria a chamar a atenção de jurados internacionais. Ainda assim, é justamente em Rancho Queimado, a poucos quilômetros de Florianópolis, que uma nova — e ainda pouco explorada — geografia sensorial do azeite começa a se formar.

A oliveira, planta milenar associada ao clima mediterrâneo, exige tempo, precisão e condições específicas para florescer. Trata-se de uma cultura de longo prazo: as primeiras colheitas comerciais ocorrem entre cinco e seis anos após o plantio. A extração do azeite, por sua vez, deve ser realizada logo após a colheita, sob baixa temperatura e controle rigoroso, para que as qualidades voláteis da fruta sejam preservadas (Revista de Agronegócios). Embora o Brasil tenha avançado na produção de azeites artesanais nos últimos anos, ainda é um mercado pequeno se comparado à predominância de produtos importados (EMBRAPA).
Segundo um estudo realizado em 2023/24 na região serrana de Santa Catarina, variedades como Arbequina, Koroneiki e Arbosana têm demonstrado boa adaptação às condições climáticas locais, caracterizadas por temperaturas amenas e alta umidade. A pesquisa, conduzida em olivais comerciais de Rancho Queimado, revelou que Arbequina e Koroneiki são as variedades mais precoces e com melhor desenvolvimento fenológico, enquanto Arbosana apresentou maior sensibilidade a doenças como a antracnose (UFSC, Estudo fenológico de cultivares de oliveira em Rancho Queimado, 2024). O avanço técnico no manejo projeta um cenário promissor para as safras seguintes.
Rancho Queimado abriga um dos casos mais representativos dessa mudança. Em 2011, uma família adquiriu suas primeiras mudas de oliveira e, em 2019, colheu sua primeira safra comercial na Quinta do Vienzo — tornando-se a primeira produtora a cultivar e processar azeite de oliva extra virgem em Santa Catarina. Desde então, os azeites da propriedade têm sido premiados internacionalmente, incluindo medalhas de ouro no EVO IOOC International Olive Oil Contest (Quinta do Vienzo).

O diferencial da Quinta do Vienzo está na autonomia do processo. A colheita é manual, feita no ponto ideal de maturação, e a extração acontece na própria propriedade, com equipamentos que evitam oxidação e preservam compostos voláteis. Esse controle do ciclo completo — da árvore à garrafa — contribui para um frescor singular no mercado brasileiro (Quinta do Vienzo).
Em contraste, a maior parte dos azeites rotulados como “extra-virgens” vendidos no Brasil é importada e percorre longos trajetos até o consumidor, o que compromete sua qualidade. Um estudo de 2024, publicado na Revista Delos, avaliou 11 marcas importadas disponíveis no país: 82% não atendiam aos critérios exigidos para serem considerados como “extra-virgem” e 91% apresentavam pelo menos um parâmetro físico-químico — como acidez, peróxidos ou absorbância UV — fora dos padrões internacionais. O estudo também apontou indícios de adulteração com óleos de menor valor, prática que afeta a autenticidade e a segurança alimentar do produto final (Revista Delos, 2024).

Apesar de sua pequena escala, a produção catarinense tem se destacado pelo frescor, rastreabilidade e relação direta com o território. Características como processamento local, controle técnico e proximidade com o consumidor ajudam a preservar aroma, sabor e identidade — atributos muito valorizados na gastronomia (NSC Total, 2023). Em 2023, o valor médio do azeite importado subiu cerca de 25%, e produtores veem na mudança uma chance de posicionar os azeites catarinenses como produtos de identidade regional e alta qualidade (NSC Total, 2023).
Esse movimento consolida a olivicultura catarinense como um projeto estratégico e de longo prazo, mesmo diante de riscos agronômicos e altos custos de implantação. Muitos produtores optam por focar suas produções na qualidade, em vez de buscar escala, enfatizando a importância do azeite fresco, local e sazonal — obtido por meio de processamento quase imediato. Essa abordagem preserva características sensoriais e fortalece o azeite catarinense como um alimento com identidade territorial. (NSC Total, 2023).
Mais do que agregar valor à agricultura, o cultivo de oliveiras em Santa Catarina sinaliza uma mudança de perspectiva: posicionar o Brasil como produtor de azeites com identidade, ainda que em pequena escala. Nesse processo, municípios como Rancho Queimado começam a ganhar visibilidade além dos circuitos tradicionais do agronegócio — e entram no radar da gastronomia internacional.

A olivicultura catarinense expressa um modelo em que o azeite assume papel de protagonista. Cada etapa do processo é pensada para preservar sabor, aroma e autenticidade. Na cozinha, ele deixa de ser coadjuvante e passa a ocupar espaço como ingrediente central — valorizado por sua origem e expressão sensorial.
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