Por William Vieira
O uso dos cogumelos na gastronomia já é comum há muito tempo, principalmente nas cozinhas asiática, francesa e italiana. Entretanto, esse uso se restringia a o que chamo de cogumelos comerciais: paris (champignon), shitake e shimeji. Com a obsessão da cozinha contemporânea em desbravar novos ingredientes, uma nova era de pesquisas no mundo dos cogumelos surgiu, com a descoberta de aromas e sabores desconhecidos incrivelmente extraordinários se comparados às referências já conhecidas no setor.
Os cogumelos, então, passaram a ganhar espaço nas cozinhas da atualidade. Cogumelos silvestres como favolus sp, polyporus trcholoma, panus spp, favolus brasilisiensis, trametes ochracea, por exemplo, que estão conectados diretamente aos troncos para sugar nutrientes das árvores - tanto vivas quanto em fase de decomposição - passaram a ter seu consumo desidratado ou fervido antes da ingestão. Outros cogumelos, considerados exóticos, também encantaram chefs do mundo todo, como é o caso do Yanomami - até então usado apenas pela tribo indígena de mesmo nome - que teve ascensão na cozinha depois de apresentado pelo Chef Alex Atala.

Em meados de 2012, no Brasil, apareceram os cogumelos do pinus e, com eles, o tão famoso Porcini. Bastante utilizado pela cozinha italiana por ser, até o momento, exclusivo de sua região - gerando inclusive uma brincadeira local sobre a veracidade e propriedade da iguaria como italiana, se comparado a porcinis de outras localidades - o Porcini desenvolvido no Brasil é da espécie Boletos Edulis e presente em plantações de pinus na região sul do Brasil. Esses cogumelos micorrízicos têm sua simbiose estabelecida com as raízes vivas dos pinus, criando uma combinação de temperatura baixa e umidade em terrenos a partir de 800m acima do nível do mar, o que gera uma proliferação com mais facilidade.
Com todo esse processo de descobertas relacionado ao mundo dos fungos, tive curiosidade sobre o assunto e iniciei uma pesquisa com Eli Dinis Neto em uma área de preservação de Joinville chamada Morro do Finder. Nessa caçada inicial, encontramos espécies mais comuns - em sua grande maioria da espécie saprófita - provenientes de madeiras caídas pelas florestas, como o tipo auriculares, cogumelos marrons cartilaginosos, e ganodermas, bastante rígidos e fibrosos. A inquietude da descoberta me conectou com outras pessoas da região. Em uma conversa com Dona Sandra, do Sítio Desiderata, e com o Senhor Ângelo, do Sitio Rancho das Cabras, foi descoberta a existência dos lactarius - cogumelos alaranjados que apareciam nos pinus em épocas chuvosas - e agáricos - cogumelo de pasto - que eram muito saborosos, porém não eram o foco de minha pesquisa. Ao buscarmos por lactarius, também foram encontrados porcinis na cidade de Campo Alegre/SC e, a partir daí, a caçada aos cogumelos silvestres se tornou recorrente. Eu e meu sub chef, Lua, ficamos obcecados pelos achados, o que resultou - em períodos de frio ameno e pouca umidade no outono - em colheitas de até 500kg de porcini, e assim, o anúncio dos cogumelos de pinus colocou a Serra Catarinense em destaque pelos cogumelos silvestres.
Ainda muito curioso e entretido com o mundo dos cogumelos, procurei contato com o Professor Marcelo Sulzbacher, que me auxiliou na descoberta de novos fungos que apareceriam nas caçadas, firmando já 10 anos de parceria em busca por conhecimento nessa área. Assim como os yanomamis, os cogumelos de pinus precisam de atenção extrema. Por nascerem cogumelos comestíveis e tóxicos muito próximos uns aos outros, o apoio do Professor foi fundamental para me ensinar a diferenciar as espécies e especificar a melhor forma de consumo. Atualmente, consigo identificar e manusear quase 10 tipos diferentes de fungos como porcinis, lactarius, laccaria lacata, lactarius rufus, gymnopilus j, trufa do pinus, suillus g, suillus s e, por esse motivo, considero de extrema importância a presença de um biólogo acompanhando as pesquisas, já que alguns grupos são altamente tóxicos, inclusive para manuseio.
Nas edições I e II do Congresso Raízes, falei sobre a alga alface do mar e o marisco bacucu, nativos do Manguezal da Baía da Babitonga, e para a III edição trouxe as pesquisas com os cogumelos silvestres da serra catarinense, item presente em minha cozinha e apresentado em forma de sorvetes, conservas, fermentados e em pó. Um dos cogumelos que mais me impressionou foi um exemplar de ganoderma apl - bastante rígido, sem muito cheiro e fibroso se desidratado - que, conversando com Jeferson Timm, biólogo e professor especialista em fungos, ele comentou sobre o uso em infusão em meles e chás, comum em países orientais. Nos testes em mel, particularmente, essa espécie não sobressaiu, entretanto, quando foi feito o chá coado com água morna, os aromas e sabores se revelaram.

Para a apresentação degustativa da palestra na III edição, trouxe uma sobremesa para demonstrar a versatilidade dos cogumelos porcini e ganoderma apl infusionados utilizados em doces. O porcini libera aromas de café, chocolate, e o ganoderma apl. aromas de doce de leite, café com leite,caramelo, por isso, o prato criado foi um bolo infusionado com mel e porcini além de uma ganache de ganoderma.
Adentrando o mundo dos cogumelos silvestres, uma nova era de descobertas gastronômicas foi reveladas e, com isso, foi possível transformar o alimento em algo extraordinário ao paladar dos curiosos, a partir de aromas e texturas únicas, valorizando as particularidades e sabores de cada espécie.
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